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Finalmente
um dado mais consistente do risco de microcefalia causado pelo vírus Zika
Casos de microcefalia no Brasil
Em
fevereiro de 2016 a Organização Mundial da Saúde declarou a existência de situação de emergência internacional de interesse de saúde
pública frente à ameaça do vírus Zika. Uma das maiores preocupações causadas
pelo Zika é a possibilidade do vírus causar microcefalia. Muito tem se
debatido sobre o assunto, pois é fundamental se comprovar de forma científica se
esta relação causal é possível (e dados preliminares sugerem que sim), e
qual o risco de ocorrência de microcefalia nos bebês de gestantes que tiverem
contraído Zika. Talvez poucas vezes a comunidade cientifica se engajou tão
fortemente na descoberta de informações como nesse episódio.
O
último boletim da OMS feito em 10 de março (usando dados do Ministério da Saúde
do Brasil) mostra que entre 22 de Outubro de 2015 e 5 de Março de 2016 foram
reportados 6.158 casos de microcefalia e/ou má-formação de sistema nervoso
central. DOs 6.158 casos, 745 tiveram confirmação de Zika. A prevalência de
microcefalia em 15 estados em que a transmissão de Zika foi confirmada
laboratorialmente está em 2,8 casos/ 10.000 nascidos vivos (contra 0,6 por
10.000 nascidos vivos nos estados que não confirmaram Zika).
Polinésia Francesa
Outro
local que notificou um possível surto de microcefalia associado ao Zika foi a
Polinésia Francesa, porém ainda antes da epidemia que vem sendo acompanhada nas
Américas. Para esclarecer, foram 8 casos de microcefalia entre março de 2014 e
maio de 2015, um volume muito maior que a média histórica de 0 a 2 casos por
ano neste país.
Foram
então analisados retrospectivamente os dados de um surto de vírus Zika na
Polinésia Francesa, utilizando dados de setembro de 2013 a julho de 2015. Foram
utilizados dados sorológicos e de vigilância para estimar a probabilidade de
infecção com o vírus da Zika para cada semana da epidemia, e registros médicos
foram investigados para identificar todos os casos de microcefalia.
O
surto de vírus Zika começou em outubro de 2013, e terminou em abril de 2014, e
66% da população foi infectada neste período. Dos oito casos de microcefalia
identificadas durante o período de estudo de 23 meses, sete (88%) ocorreram no
período de 1 de março a 10 de julho de 2014. A prevalência
basal de microcefalia foi de 2 casos por 10.000 recém-nascidos, e o risco
de microcefalia associada com a infecção pelo vírus Zika foi de 95 casos por
10.000 mulheres infectadas no primeiro trimestre de gestação. Essa conclusão do
estudo dá mais força ao nível de evidência (que ainda estava restrita
a séries de casos) para a possível relação do Zika com o desenvolvimento de
microcefalia. Entretanto, estamos falando de um risco de 0,95%
(arredondando, 1%) de desenvolvimento da doença.
Este
dado é muito relevante em termos de comparação com a realidade no Brasil.
Isso porque um recente estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
demonstrou que o vírus Zika circulando no Brasil é quase idêntico à cepa que
circulou no surto da Polinésia Francesa, tendo uma identidade entre 97% a 100%,
muito maior que a identidade com a cepa do vírus original da África, com o qual
o Zika presente no Brasil tem apenas entre 87% e 90% de semelhança.
Outros vírus e má-formação
Precisamos
ponderar este achado frente aos riscos congênitos associados a outras doenças.
Quando observamos este dado do risco de microcefalia causada pelo Zika frente a
outros vírus, verificamos que os riscos são de fato muito baixos. Por exemplo,
13% das infecções por citomegalovírus (CMV) geram doenças congênitas; o
risco de rubéola congênita em mulheres infectadas no primeiro trimestre de
gestação varia de 38% a 100%; e problemas fetais ocorrem em 10% das gestantes
infectadas por Parvovírus B19.
Pontos de Discussão
Obviamente,
ainda há algumas limitações nesse estudo, sendo a primeira o fato de ser um
estudo retrospectivo, dependente de registros. Os autores tiveram que assumir
algumas premissas para o estudo: que todos os casos de microcefalia no período
de estudo foram adequadamente notificados, que os casos confirmados foram
proporcionais aos casos suspeitos ao longo de todas as semanas de estudo, e que
a proporção de mulheres infectadas foi semelhante à proporção de crianças com
sorologia positiva.
Extrapolar
os dados do estudo para outras realidades ainda é algo para pensarmos. Temos
diferenças étnicas e genéticas próprias da nossa população, e é possível que o
vírus tenha comportamentos diferentes. Isso sem contar outros possíveis fatores
de confusão ainda não levantados, mas que podem surgir em estudos prospectivos,
que é o que falta sobre a mesa de discussão.
O
que podemos concluir por hora é: há risco do Zika causar microcefalia, porém
esse risco é bastante baixo. Vamos aguardar as novas publicações que vão
surgir.
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