Agência FAPESP – Uma pesquisa publicada na
revista PLoS One mapeou, no Brasil, a história evolutiva do sorotipo
2 do vírus da dengue (DENV-2) – uma das quatro espécies transmitidas ao homem
pelo mosquito Aedes aegypti .
Os resultados revelam a circulação simultânea de
diferentes linhagens de DENV-2 no país, o que pode estar associado a um maior
número de surtos epidêmicos e de manifestações graves da doença quando
comparado aos outros três sorotipos da dengue. A existência de uma maior
variabilidade genética entre o DENV-2 também tem sido apontada como causa do
insucesso em testes com vacinas.
Para mapear a diversidade filogenética e
filogeográfica do vírus, ou seja, o caminho evolutivo trilhado em diferentes
regiões do país, pesquisadores da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
(Famerp), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e do Massachusetts
Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, realizaram o sequenciamento
completo de 12 amostras de DENV-2 de pacientes atendidos em São José do Rio
Preto durante a epidemia de 2008. Os dados foram comparados com amostras de
bancos de dados genéticos de dengue do Brasil e do mundo.
O trabalho foi coordenado por Mauricio Lacerda
Nogueira, do Laboratório de Pesquisas em Virologia da Famerp, e contou
com financiamento da
FAPESP e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e
apoio da Secretaria de Saúde de São José do Rio Preto e do Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia (INCT) em Dengue.
“Dentro de cada uma das quatro espécies de vírus
causadoras da dengue existem diferentes genótipos. Dentro de cada genótipo
ainda há variações genéticas que chamamos de clados ou linhagens. Nossos dados
mostram que três diferentes linhagens de DENV-2 entraram no Brasil nos últimos
30 anos e todas elas pertencem ao genótipo Americano/Asiático”, disse Nogueira.
Segundo o pesquisador, há ao todo seis diferentes
genótipos do DENV-2. O genótipo Americano/Asiático, que estima-se teria vindo
do Vietnã via Cuba, predomina hoje em todo o continente americano. “O genótipo
Americano existente na região originalmente foi expulso por uma versão do vírus
oriunda da Ásia, mais agressiva e mais adaptada às condições epidemiológicas
das Américas”, explicou.
As três diferentes linhagens de DENV-2 analisadas no
estudo foram chamadas pelos pesquisadores de BR1, BR2 e BR3. Diferem
geneticamente entre si por 37 alterações de aminoácidos. Essas variações,
segundo Nogueira, encontram-se na região do genoma do vírus que mais interage
com o sistema imunológico humano.
Os resultados divulgados na PLos One indicam
que a primeira introdução do genótipo Americano/Asiático teria ocorrido entre
1988 e 1989, possivelmente no Rio de Janeiro. Essa linhagem, batizada de
BR1,teria circulado continuamente em diferentes regiões do país por pelo menos
14 anos.
Entre 1998 e 2000 teria ocorrido a introdução da
linhagem BR2, mais restrita à região Nordeste do país. Paralelamente, em 1999, o
BR3 teria aparecido no Sudeste e, em 2001, na região Norte, causando grandes
epidemias no Rio de Janeiro e em São Paulo entre 2007 e 2008 e superando as
outras duas linhagens em termos de número de casos e de manifestações graves.
Presença constante
“Fizemos um estudo semelhante com o DENV-1, publicado
em 2012 na revista Archives of Virology, no qual mostramos que,
quando uma nova linhagem do vírus emergia, a anterior desaparecia
completamente. Mas, no caso do DENV-2, existem períodos em que há dois clados
diferentes circulando ao mesmo tempo no país, o que torna esse vírus mais
perigoso. A maior variabilidade genética favorece epidemias”, disse Nogueira.
Não é por coincidência, afirmou o pesquisador, que o
DENV-2 é há pelo menos dez anos uma presença constante no interior de São
Paulo, enquanto os demais sorotipos causam epidemias em anos específicos e
depois desaparecem por longos períodos. “Ao analisar os dados do Ministério da
Saúde é possível detectar dengue do tipo 2 todos os anos no Brasil e em
diferentes regiões”, disse.
Há alguns anos, o consenso entre os especialistas era
de que, uma vez afetado por um sorotipo da dengue, o indivíduo ficaria imune àquela
espécie do vírus, mesmo se infectado por diferentes genótipos e linhagens. Mas
estudos recentes têm levantado novos questionamentos entre os cientistas.
Em artigo
publicado na The Lancet em 2012, pesquisadores do
laboratório Sanofi Pasteur reportaram o sucesso apenas parcial da vacina
tetravalente contra a dengue testada em 4 mil crianças com idades entre 4 e 11
anos na Tailândia.
Entre os sorotipos DENV-1, DENV-3 e DENV-4, a taxa de
eficiência ficou entre 60% e 90%. Mas o sorotipo DEN-2 resistiu quase que
totalmente aos efeitos da vacina. Uma das razões apontadas no estudo seria a
diferença entre os clados circulantes na população da Tailândia e os usados
para fazer o imunizante.
Outros testes com a vacina da Sanofi estão em
andamento em dez países da Ásia e da América Latina, entre eles o Brasil, com
31 mil crianças e adolescentes.
“Não sabemos se os resultados brasileiros serão
parecidos com os da Tailândia. Pode ser, por exemplo, que aqui a vacina
funcione contra o DENV-2 e não funcione contra o DENV-4. Precisamos de mais
estudos para entender a evolução dos quatro sorotipos, as variações de linhagem
e o quanto isso importa em termos de resposta imune, do número de casos e da
gravidade da doença”, afirmou Nogueira.
Para o pesquisador, no entanto, o mais provável é que
os resultados apontem para a necessidade de desenvolver vacinas específicas
para cada país e para cada região.
“Temos de conhecer exatamente qual tipo de vírus está
circulando em um local para saber o tipo de vacina que precisamos. Assim como
não é possível fazer uma vacina genérica contra a gripe, talvez tenhamos que
fazer vacinas diferentes contra a dengue.
Mas precisamos de mais dados dos ensaios em andamento
para saber ao certo”, ponderou.
Nogueira também coordena, com apoio
da FAPESP e da prefeitura de São José do Rio Preto, um projeto de
vigilância em dengue para acompanhar em tempo real o que acontece no município,
que atualmente enfrenta uma forte epidemia.
“Já foram registrados mais de 8 mil casos somente em
2013 e nossos dados indicam que mais de 90% correspondem ao DENV-4, que aparentemente
é menos agressivo. O número de casos graves não está sendo grande”, contou.
Entre 2009 e 2010, a região enfrentou uma epidemia de
DENV-1 com mais de 20 mil casos. Com epidemias tão próximas causadas por
diferentes vírus e a presença constante do DENV-2, o risco de a população
sofrer infecções repetidas aumenta, o que eleva também o risco de manifestações
graves, alertou o pesquisador.
O artigo Circulation of Different Lineages of
Dengue Virus 2, Genotype American/Asian in Brazil: Dynamics and Molecular and
Phylogenetic Characterization (doi: 10.1371/journal.pone.0059422) pode ser
lido em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0059422
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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