Astrônomos encontram água na atmosfera de exoplaneta a 124 anos-luz da Terra
Descoberta feita em planeta extrassolar com tamanho aproximado de Netuno é mais um passo no caminho da busca pela “Terra 2”
RIO - A vida como conhecemos depende da existência de água em estado líquido para se desenvolver. Assim, detectar a presença da substância em planetas e luas dentro e fora do Sistema Solar é um dos primeiros passos na busca por outros lugares no Universo onde possam existir organismos extraterrestres. Na nossa vizinhança cósmica, diversas sondas já fizeram este trabalho, revelando locais promissores para continuar esta procura, como Marte, Europa e Encélado, luas de Júpiter e Saturno, respectivamente.
Atualmente, porém, não há tecnologia capaz de enviar sondas até planetas descobertos orbitando outras estrelas, chamados extrassolares ou exoplanetas. Desta forma, uma das únicas alternativas disponíveis é aproveitar os raros casos em que estes planetas cruzam à frente de suas estrelas do ponto de vista da Terra, fenômeno conhecido como trânsito, para analisar a composição de suas atmosferas. Isso é possível graças ao fato de diferentes substâncias absorverem diferentes comprimentos de onda da luz emitida pela estrela quando ela atravessa suas atmosferas, deixando uma “assinatura” da sua presença neste chamado espectro de transmissão.
OBSERVAÇÕES COM TELESCÓPIOS PODEROSOS
Até o momento, cientistas já tinham conseguido fazer essas análises em alguns planetas extrassolares gigantes gasosos que orbitam muito próximos de suas estrelas, conhecidos como “jupiteres quentes”, tendo inclusive detectado sinais de água neles. Agora, no entanto, uma equipe de astrônomos liderada por Drake Deming, professor da Universidade de Maryland, nos EUA, combinou observações feitas com três poderosos telescópios espaciais da Nasa — Hubble (luz visível e infravermelho próximo), Spitzer (infravermelho) e Kepler (luz visível) — para obter o espectro de transmissão da atmosfera de um planeta extrassolar com tamanho aproximado de Netuno, o menor já estudado desta forma, encontrando pela primeira vez sinais inequívocos de existência de vapor d’água nela.
Batizado HAT P-11b, o exoplaneta orbita uma estrela anã laranja um pouco menor e mais fria que nosso Sol localizada a cerca de 124 anos-luz de distância na direção da constelação de Cygnus (Cisne). Descoberto em 2009 por uma rede húngara de telescópios automatizados conhecida como HAT (daí o seu nome), o planeta extrassolar tem cerca de 4,4 vezes o diâmetro e 26 vezes a massa da Terra e está tão próximo de sua estrela, a uma distância média de apenas 7,5 milhões de quilômetros, que completa uma volta em torno dela em menos de cinco dias.
E foi justamente este período orbital tão curto que possibilitou aos cientistas acumularem dados de trânsitos suficientes para poderem afirmar terem encontrado sinais da existência de água neste mundo tão distante. Mas este não foi o único fator que ajudou no processo. Também colaborou o fato de a alta atmosfera do HAT P-11b provavelmente estar livre de nebulosidade, à diferença de Netuno no nosso Sistema Solar, coberto por grossas camadas de nuvens. Sem as nuvens, a luz emitida pela estrela-mãe do planeta pôde penetrar mais fundo e atravessar porções maiores de sua atmosfera, reforçando os sinais de presença de vapor d’água nela que permitiram sua detecção. Antes, a mesma equipe de astrônomos já tinha tentado fazer este tipo de análise com outros exoplanetas de tamanho semelhante, mas os sinais nos espectros de transmissão obtidos foram “abafados” pelas nuvens em suas atmosferas.
— Quando os astrônomos saem à noite para fazer observações com telescópios, eles costumam dizer “céus claros” uns para os outros como forma de desejar boa sorte — conta Jonathan Fraine, um dos integrante da equipe de Deming e principal autor de artigo sobre a descoberta, publicado na edição desta semana da revista “Nature”. — Neste caso, porém, encontramos um céu claro em um planeta distante, o que foi uma sorte nossa, já que significa que as nuvens não bloquearam nossa visão das moléculas de água.
SEM POSSIBILIDADE DE VIDA
Mas, apesar da confirmação da presença de água no HAT P-11b, o planeta está longe de ter outras condições que também acredita-se serem necessárias para que a vida pudesse se desenvolver nele. Por estar tão perto da estrela-mãe, sua temperatura média fica por volta dos 600 graus Celsius. Além disso, as medições indicam a presença de vapor d’água em uma proporção de apenas 250 partes por milhão. De resto, sua atmosfera seria composta em 90% por hidrogênio, envolvendo um pequeno núcleo, provavelmente rochoso, no seu centro.
Ainda assim, os cientistas destacam que a bem-sucedida análise da atmosfera de um planeta extrassolar com tamanho próximo de Netuno significa mais um passo na direção de, no futuro, conseguir fazer o mesmo com exoplanetas de dimensões mais parecidas com as da Terra. Previsto para ser lançado em 2018, o telescópio espacial James Webb (JWST, na sigla em inglês), sucessor do Hubble, deverá ser capaz de detectar sinais de água na atmosfera das chamadas “super-Terras”, exoplanetas com entre 1,25 e duas vezes o diâmetro e até dez vezes a massa do nosso.
— Estamos abrindo nosso caminho linha abaixo, de jupiteres quentes para exonetunos, e queremos expandir nosso conhecimento para uma gama maior de exoplanetas — diz Deming, que assina como coautor o artigo na “Nature”. — O trabalho que estamos fazendo agora é importante para os futuros estudos de super-Terras e mesmo de planetas menores, já que também queremos poder escolher previamente planetas com atmosferas livres de nuvens que permitirão que detectemos moléculas de água nelas.
O problema é que analisar as atmosferas de planetas extrassolares do tamanho da Terra e finalmente encontrar a tão sonhada “Terra 2” — isto é, um exoplaneta que tenha dimensões e massa similares às do nosso e que orbite uma estrela parecida com o Sol na sua chamada zona habitável, em que não está nem perto nem longe demais de modo que sua temperatura permita a existência de água líquida em sua superfície — demandará equipamentos ainda mais poderosos que o JWST tanto em solo quanto no espaço que, por enquanto, só existem no papel. São os casos, por exemplo, do supertelescópio E-ELT, que o Observatório Europeu do Sul (ESO) pretende construir no Chile a um custo de mais de 1 bilhão de euros e que deverá estar pronto depois de 2022.
FONTE:http://oglobo.globo.com
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